O coronavírus traz ansiedade a 7,7 bilhões de seres humanos (estimativa do World Population Clock) que esperam por respostas para lidar com uma realidade complexa, capaz de nos confrontar com dilemas éticos aparentemente difíceis de superar. Lockdown ou manutenção das atividades? Esta semana ou em setembro? Vacina hoje ou em 2021? Remédios definitivos ou ausência de trata- mento? Vida ou morte?

A matriz binária, velha conhecida da humanidade, que propõe um mundo representado por zero (0) e um (1), parece continuar a determinar o pensamento no modelo ou isto ou aquilo.

Os mais recentes fóruns de debate sobre os desafios do século 21, no entanto, não falam de outra coisa senão do esgotamento dessa matriz e do imperativo de transitar para um mundo novo. Em vez do "ou", a palavra que impera é "e". Não é alternância, mas adição. No lugar de uma matriz binária, uma matriz sistêmica, quântica.

Este início de 2020 abriu os olhos até dos mais renitentes em aceitar essa verdade, pois estamos assistindo à morte da matriz binária – dizimada pelo coronavírus diante de todos nós. Abre-se espaço para entender todas as coisas sob uma nova perspectiva.

A nova realidade – que havia tempos dava sinais de sua presença ao negociar com as diferentes gerações um mundo no qual conviveriam autoritário e libertário, distante e conectado, de massa e de luxo, bom para os negócios e bom para as pessoas – passa a se compor de opostos simultâneos, que se somam ao invés de se alternar.

Minha vida importa, mas a sua também. A falta de saúde de um gera o desastre sanitário que afeta a todos. A ausência de dignidade humana de alguns produz o desastre social que estamos prestes a enfrentar... E raciocínios assim se multiplicam nas várias pautas que nos unem para enfrentar questões de impacto coletivo em áreas tão distintas como saúde, emprego e mudanças climáticas.

No que diz respeito ao combate à pandemia, em meio a tantas incertezas, uma convicção deve nos orientar: o velho modelo não nos serve. Apenas uma matriz sistêmica nos tornará capazes de encontrar respostas para a complexidade do desafio que enfrentamos.

Nesse sentido, uma primeira frente de ação deve ter por objetivo domesticar a curva de disseminação da doença, na tentativa de racionalizar o atendimento hospitalar. É preciso ganhar tempo, dominando a velocidade de propagação do vírus e, consequentemente, espaçando a chegada dos casos mais graves aos hospitais. A solução já está em andamento, defendida pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e coordenada regionalmente pelos governadores e prefeitos com o apoio de entidades e organizações de saúde e da sociedade em geral, que aceitou entrar na marcha coletiva para conter o desastre a que assistimos na Itália e na Espanha – e tudo indica que, em mais alguns dias, pode se estender aos Estados Unidos.

Uma solução sistêmica prevê que sociedade e Estado trabalhem juntos para promover o engajamento no es- forço coletivo, que se traduz tanto em atitudes de pessoas que ficam em casa, estimulam os mais próximos a cumprir as medidas de restrição e fazem doações como na mobilização das empresas que contribuem com produtos e serviços para ampliar as estruturas de cuidado aos doentes. Confinar-se para defender os vulneráveis e preparar-se para apoiar os mais necessitados é, na prática, uma solução de matriz quântica que revela quanto o Brasil cresceu em cidadania nos últimos anos.

A segunda frente de ação é assegurar o menor impacto possível na atividade econômica. Separar grupos de alto risco dos de menor risco e aos poucos coordenar o retorno dos últimos à vida produtiva, recolocando a economia em funcionamento, é fundamental. Já estamos nesse caminho. Serviços essenciais estão mantidos. Caminhoneiros fazem o abastecimento de todo o país. Farmácias e supermercados continuam a atender às necessidades da população. Empresas de tecnologia trabalham sem cessar para que uma imensidão de atividades possam ser preservadas em modelo de home office. O governo já deu sinais de que vai injetar na economia recursos para garantir a dignidade a quem mais precisa enquanto busca alternativas no campo econômico. De novo aqui, com iniciativas simultâneas, podemos promover avanços.

Não estranharemos se empresários, funcionários e seus sindicatos se unirem para construir soluções que equilibrem a necessidade de cuidados com a saúde da força de trabalho e com a continuidade da produção – que assegura o abastecimento das famílias e a manutenção do desenvolvimento econômico.

Não estranharemos se as grandes empresas se juntarem aos membros de seu ecossistema produtivo para financiar clientes e fornecedores, a fim de que tenham possibilidade de superar as dificuldades da paralisação.

Não estranharemos se patrões e funcionários trabalharem juntos para transformar as unidades produtivas em linhas de produção de álcool-gel, máscaras, roupas para médicos e outros suprimentos hospitalares.

Não estranharemos se empresários e investidores se unirem ao Estado e a organizações de saúde e entidades sociais para fazer chegar recursos aos mais necessitados e dar o máximo de si para evitar sofrimentos e reduzir perdas – em vidas, em tempo e nas riquezas do país.

Não estranharemos se bancos refizerem acordos com credores, atribuindo o status “on-hold” aos débitos. Também não estranharemos se as bolsas derem um reset para minimizar perdas e se os governos reconfigurarem as dinâmicas dos compromissos entre os países.

Não estranharemos se as partes entrarem em diálogo e repactuarem acordos, reconhecendo-se mutuamente nas dificuldades do presente e criando modelos inteligentes para garantir a mútua sobrevivência, a solvência das famílias e perpetuidade dos negócios.

Não estranharemos se líderes comunitários se unirem ao Exército para orientar a população e evitar a dizimação dos idosos nas áreas mais carentes das cidades.

Esta é uma oportunidade sem igual para dar adeus a qualquer radicalismo ideológico que não se convença de que o Estado mínimo varia de tamanho de acordo com a dimensão dos desafios da comunidade que o sustenta. O Estado mínimo é premissa de eficiência, mas também é líder e motor das soluções para as complexidades como a que vivemos hoje. Cabe ao Estado emendar todos os esforços para mobilizar seus melhores quadros e organizar a sociedade no sentido de produzir respostas quando as perguntas são inéditas e se multiplicam dia a dia.

A terceira frente é da ciência. Precisamos de remédios e vacinas que sejam efetivos na prevenção e no tratamento da doença. Sabemos que dificilmente será possível desenvolver esses recursos para uso imediato, mas diariamente médicos e pesquisadores em todo o mundo aprendem com a doença, otimizam os protocolos, ajustam tratamentos. Uma simples mudança na forma de ventilar os pacientes entubados reduziu drasticamente a contaminação de médicos e enfermeiros. Pequenos passos como esse nos dão tempo para lidar com as dificuldades, enquanto outros grupos buscam – conectados em uma plataforma global de interação sem precedentes na história humana – respostas definitivas para as imensas complicações que surgem a cada dia nos hospitais ao redor do planeta.

Essas três frentes constituem em si mesmas um desafio gigantesco, embora representem uma pequena parcela da realidade sistêmica em que nos encontramos. O ser humano do século 21 não está habituado a restrições e muito menos a disciplinas de passo a passo. Tampouco não se contenta com respostas transitórias, outra condição inescapável em cenários quânticos, mutáveis.

A ideia de que as demandas trazidas pelo coronavírus foram resolvidas ou, por outro lado, a perspectiva de que a eclosão da doença pôs tudo a perder são igualmente equivocadas. Nenhum dos dois opostos traduz a realidade em que vivemos. O que realmente importa é pôr em marcha todas as medidas em todas as frentes, processando tanto as informações que indicarão a melhor combinação de organização social e econômica quanto os dados de pesquisas científicas que nos permitirão chegar mais rápido a uma solução médica.

O mundo está construindo a primeira fase do processo de solução enquanto alguns estão desejosos de uma última etapa ainda no primeiro round da maior batalha que a humanidade já enfrentou em muito tempo. Temos as referências da crise econômica de 1929 e do colapso sanitário causado pela gripe espanhola. Com tranquilidade e otimismo, nossa geração reconhecerá que dispõe de elementos para criar caminhos. Valores, conhecimento, in- formação, tecnologia, abordagem sistêmica e dialógica são os elementos que trarão as respostas que nos faltam hoje.

Os mais ansiosos experimentam a realidade binária, divi- dindo-se entre os que exigem o lockdown geral e irrestrito e os que questionam os excessos do mesmo “lockdown”. Estes últimos estão de olho nos dados econômicos, embora os modelos indiquem que 1% de letalidade em quase 8 bilhões de habitantes do planeta nos deixa um déficit em conta corrente de 80 milhões de vidas, número que nenhuma ética é capaz de enfrentar, pelo qual nenhum político ou líder de governo é capaz de se responsabilizar. Os primeiros simplesmente negam que um “shut down economics” nos conduzirá a um cenário de implicações talvez tão danosas quanto as da pandemia, provocadas pelo desespero, pelo desalento, pela completa impossibilidade de lidar com os problemas do presente e replanejar o futuro.

Esse dilema por si confirma tudo sobre o que discorremos até aqui. Em termos de coronavírus não haverá uma solução do tipo OU – binária. Somente uma resposta E – sistêmica – se mostra viável.

As palavras de ordem para enfrentar o coronavirus são paciência e inteligência. Somos todos artistas que se equilibram na corda bamba. Se formos disciplinados na implementação de todas as frentes de forma consistente e permanente, se compreendermos nossa interdependência fazendo valer o isolamento social e a conexão digital, se trabalharmos em frentes coordenadas e interdependentes tanto na saúde como na economia, não aceitando em hipótese alguma uma solução que atenda somente um dos eixos, teremos sucesso.

No entanto, se seguirmos a cartilha do século 21 apenas até a metade e insistirmos em ser líquidos, imediatistas, consumistas e rápidos, se escolhermos um dos extremos dos afobados de plantão que pregam em alta voz ou isto ou aquilo, a saúde matará a economia ou vice-versa.

Não há escolha aí. A saída é primeiramente humana, depois sistêmica, tecnológica e cooperativa. A solução não abre mão de nenhuma vida que possa ser preservada, porque acima de tudo confia nas maiores e mais eficientes matrizes de desenvolvimento econômico da história: a inteligência, a vontade de vencer e a ciência, atribuindo igual valor a todas elas.

Diferentes gerações são chamadas a coordenar simultaneamente esforços conjuntos. Aos mais velhos cabe a experiência e a ponderação de quem já viveu muitas dificuldades (ainda que nenhuma possa ter sido como esta) e está aberto para se conectar com o jovem visionário e tecnológico que faz circular o conhecimento na velocidade da luz.

Vamos em frente em nossas ações de colaboração nesse novo modelo. Estaremos preparados e empenhados em fazer o melhor – com planos para a saúde, cuidados para os mais vulneráveis, medidas para a economia e uma sociedade consciente e atuando colaborativamente como nunca.

Teremos sucesso!

Daniela de Rogatis

VOLTAR